sábado, 21 de maio de 2011

Rio Itacoai

Após um dia de descanso merecido em Atalaia do Norte, nosso barco seguiu para o rio Itacoai. Agora sim, em terras cada vez mais próximas da tribo de índios isolados. Em terras onde há mais animais silvestres, como a temível onça, por exemplo. Em terras onde a Amazônia é mais misteriosa.

Como das vezes anteriores, da cidade arranjamos alguma pessoa que conhecesse as áreas a serem exploradas. Desta vez o nosso contato era com o Seu Churrasco. Um apelido estranho mesmo! E chegamos, após algumas horas de navegação pelo rio Itacoai, à pequena comunidade ribeirinha de São Rafael.

Aqui as histórias de contato com os Korubos, os índios isolados, são fartas. Contam que um pequeno grupo se separou da sociedade Korubo. A FUNAI só teve contato com 27 desses índios. Estima-se que haja mais de 1500 deles, em uma área entre o rio Quixito e o rio Itacoai. Justo onde pudemos percorrer. Esse grupo dissidente já estabeleceu contato com o pessoal da comunidade São Rafael e da comunidade Ladário, há apenas 5 minutos de bote uma da outra. O contato inicial ocorreu há alguns anos atrás. Esses Korubos eram bem violentos. São conhecidos como índios "caceteiros", pois eles matavam as pessoas com uma cacetada na cabeça. Nessa comunidade São Rafael, os primeiros contatos foram bastante temerosos para a população local. Eles chegavam e queriam as coisas. Se fossem contrariados, eles matavam. E 3 pessoas morreram assim. Tentaram sequestrar uma criança. Pedem sempre farinha e utensílios domésticos. E cachorros também, que os auxilia na caça. Ao longo dos anos, muitas pessoas foram embora dessas comunidades, com medo desse caceteiros. Por outro lado, eles aprenderam a falar português. E agora sabem falar nosso idioma, andam vestidos e até pedem as coisas em troca, retribuindo com cestos, artesanatos. O povo troca, com medo da represália. A líder é uma índia, Maia. Tem 2 maridos. E dizem que seus peitos são muito caídos. Isso é motivo de graça do povo daqui.

Esses índios Korubos dissidentes só aparecem na época de seca. Agora estamos na cheia ainda. Portanto, encontrar com os caceteiros só em sonho mesmo.

Aqui ouvimos mais histórias de onça. Dizem que seu esturro é assustador (o cachorro late; o gato mia; a vaca muje; a onça esturra!). Contaram dos contatos que já tiveram com o animal. Ele só pega a pessoa por trás. É bem traiçoeira. Ataca apenas se sente ameaça ao filhote, se está no cio, ou se está com fome. Portanto, é melhor nem querer encontrar com uma dessas. Claro que muita gente gostaria de encontrar com um bicho desses no meio da floresta. Eu fiquei pensando que seria legal. Mas, ao pensar melhor, ponderei: se eu tenho medo de cachorro grande latindo e bravo, imagina só uma onça faminta esturrando, levantando os pelos das costas e em posição de ataque! Como todos disseram por aqui, mesmo a pessoa mais valente treme diante de uma onça. Os pesquisadores que já encontraram com alguma na floresta contaram que é amedrontador. Contam que o macho esturra para o alto e reverbera por muitos metros um estrondo fortíssimo. A fêmea esturra para o chão, então a terra parece tremer e a pessoa sente o barulhão pelo chão. Deve ser mesmo aterrorizador. Mesmo assim, eu queria ver uma onça na floresta. Bem de longe, é claro. Não ia gostar de me virar e lá está ela, logo ali atrás de mim.

E o mais impressioante foram os relatos dos seres encantados da floresta. O "curupira" é o guardião das matas. Ele afasta aqueles que querem depredá-la ou a desrespeitam. Mas também aparece para uns poucos eleitos e os salva em certas situações. De modo geral, o povo tem mais medo desse ser do que lhe tem estima. E um dos meninos da comunidade teve uma experiência incrível. Ao completar 3 anos de idade, acabou se perdendo na floresta e ficou isolado por 3 dias seguidos. Conta que ficou parado, dormindo ao lado de um tronco caído. Bebeu água de um poço perto de onde estava. Já sua alimentação foi de uma fruta, o geninpapo. E esta fruta lhe foi entregue pelo Curupira, durante os 3 dias em que esteve perdido. O garotinho agora tem 11 anos e o povo diz que ele ficou enfeitiçado pelo Curupira. Quando ele pesca, ele puxa os peixes não apenas pelo anzol na boca, mas por qualquer parte do peixe. E só ele consegue algumas pescarias. Perguntei da aparência do Curupira. Ele conta que não lembra bem, mas que ele pensou que fosse uma tia próxima dele, dando-lhe de comer. Enfim, seu avô o rastreou e o levou de volta para casa.

Os incrédulos dizem que o sobrenatural não existe. Só o que é da natural existe. E o que existe é comprovável pela ciência. Pois essa ciência moderna é muito pobre. O que não pode explicar, não existe. Por isso que eu gosto de vir pra estes lados amazônicos: porque as pessoas vivem ainda em um mundo encantado, pleno de mistérios e encantos. O desconhecido está nas lendas, nos mitos, nessas histórias fantásticas. A imaginação das pessoas vai longe. Não apenas as crianças têm direito de sonhar, mas também os adultos. Portanto, o sobrenatural na verdade faz parte da natureza amazônica. E por isso mesmo a Amazônia é um universo enigmático, que segundo Euclides da Cunha, é a última página do Gênese a ser escrita...

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