quarta-feira, 25 de maio de 2011

Santo Antônio do Içá

Saímos bem cedo de Benjamin Constant, descendo o rio Solimões durante todo o dia. Agora à noite paramos em Santo Antônio do Içá, umas simpáticas cidades do Alto Solimões. A navegação por este rio é só para navegadores muito experientes. Muito, porque apenas navegadores acabam batendo em troncos no rio e capaz até de afundarem a embarcação.

Durante a semana passada acabei por pegar um resfriado. Aqui na Amazônia o clima é sempre quente. Ao contrário do que mostram os telejornais editados no sudeste do país, as estações equatoriais não são as mesmas que a das demais regiões do globo. Há o inverno amazônico, que corresponde à época das chuvas. No Alto Solimões é entre Dezembro e Junho. Isso representa enchente e cheia também. O pico da cheia é em Maio. Portanto, as notícias sensacionalistas de que está tudo alagado é apenas para telespectador desinformado pensar que a natureza está em revolta. Aqui todo ano enche. Alguns anos enche mais do que outros. As pessoas que vivem à beira dos rios constroem suas casas em palafitas, com umas distância razoável do solo. Uma tecnologia antiga, desde os povos indígenas mais antigos. O verão aqui vai de Julho a Novembro, com o pico da estiagem em Setembro. E faz mais calor do que o normal, pela falta de chuva. É a melhor época para pesca, pois há menos água para onde os peixes podem nadar. Quando a televisão mostra que o país está entrando no outono e depois no inverno, isso não se aplica à região norte. Essa falta de divulgação das diferenças regionais deixa o povo daqui triste, pois é como se a cultura e condições locais não existissem para o resto do Brasil. Isso porque a Amazônia representa cerca de 60% do território nacional...

Pois bem, nesse calor todo, qualquer vento mais gelado faz a gente se resfriar. À noite também esfria levemente, principalmente se chove. Explico-me: a temperatura desce para uns 25ºC!! De dia, em torno dos agradáveis 35ºC. Um destes dias estava muito quente, pra variar. E numa das noites choveu. E eu e mais algumas pessoas nos resfriamos. E demora dias para nos curar. Agora, após 1 semana, estou quase bom já.

No barco a parte mais difícil está por vir. Nesta região amazônica não há variedade de verduras. Primeiro porque o solo não permite agricultura extensiva, apenas a familiar. Ou seja: comprar em larga escala não dá. Segundo, não chegam os alimentos das outras regiões do país até aqui. Portanto, ficaremos sem verduras em breve. Frutas há algumas. E estou procurando comer o que posso. Vamos ver como será daqui em diante.

Estou feliz por este trabalho. A primeira parte da viagem já foi. Agora inicia-se a segunda, onde visitaremos inúmeras comunidades ribeirinhas da RESEX (reserva extrativista) do rio Jutai. Boa parte da tripulação já virou uma grande família. Claro, há sempre maior afinidade entre certas pessoas e certos grupos. Eu procuro me relacionar da melhor maneira possível com todos. Trocamos ideias, comidas, risadas e experiências. E por essa razão esta expedição é uma coisa que ficará marcada em nossas vidas para sempre.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Tabatinga e Leticia (Colômbia)

Hoje foi nosso dia de folga. Logo 06h10 da manhã pegamos carona com a lancha da UEA que leva os alunos de Benjamin Constant até Tabatinga para estudarem. Após 1 hora de viagem, chegamos. A turma do barco se dividiu mais por afinidade e disposição para acordar cedo. No meu grupinho estávamos em 8 pessoas. Fomos andando pela cidade e paramos em uma padariazinha para tomar café da manhã. Ai, quando chegamos ao Banco do Brasil, a chuva começou. E durou muito tempo. Nisso, eu vi a sede da Rádio Nacional do Alto Solimões. Essa é a rádio que o povo de Tauaru ouve e pela qual eu posso mandar recados. Então, fui lá para deixar um recado. E não é que a moça me convida para uma entrevista? Mas, como estava de folga, não prometi comparecer.

Então, continuamos nossa caminhada na chuva mesmo, até Leticia. Basta atravessar a rua e se entra na Colômbia. E logo se percebem os contrastes. As ruas são mais ordenadas. Há mais carros. Há comércio. Muitas lojas para comprar perfumes, importados, cosméticos, roupas, etc. Lojas de artesanato que não acabam mais. E a melhor surpresa: na Colômbia há colombianas. Minha nossa senhora, elas são bem bonitas. Chama muito a atenção. Lindas mesmo.

A cidade é muito simpática. Com bastante vida. Andamos bastante. O pessoal comprou bastante coisa de artesanato. Eu, que já havia comprado várias coisas dos índios, só levei uma ou outra lembrancinha. Após vasculhar as lojas, andamos um pouco pelas ruas, conversando com o povo colombiano. Nessa cidade eles são bem receptivos. As praças são bem gostosas. Há bastante árvores. Muito comércio. Gostei. Já havia vindo para cá outras vezes. O melhor foi a hora de comer. Pratos típicos e bem servidos. Comi o tal do "arroz chaufa", que veio um prato enorme que dividimos em três e quase sobrou.

No fim da tarde, voltamos a Tabatinga. E de lá para Benjamin Constant. Amanhã desceremos o rio Solimões até Jutai. Serão 2 dias até lá. E em breve chegará o momento em que ficarei incomunicável por muitos dias...

Atalaia do Norte 2

Acabou que Atalaia do Norte foi nosso ponto de referência nesta parte da viagem. A cidade é bem pequena. Precaria em tudo. Falta frutas, verduras, água potável. Médicos e outros profissionais de saúde. O que há são 05 etnias que convivem no município: marubo, mayuruna, kanamarí, matsé e matis. E há também os kulina e korubos, que são índios isolados. E dizem que há mais outros grupos isolados, que não se sabe o nome da etnia.

Desses índios se pode ver uma boa diferença. Há os que são brancos, de olhos castanhos bem claros e cabelos quase loiros. Os brancos de cabelos já mais escuros. E os que são mais morenos. Isso me chamou muito a atenção. Há os que parecem mendigos pobres e sujos. E aqueles que são mais organizados e sabem valorizar suas produções artesanais. Eu aproveitei para adquirir lembranças das etnias que pude.

Já a cidade vive em clima de festa na sexta, sábado e domingo. Há 02 restaurantes em que se pode comer uns pratos gostosos. Eu comi bastante ceviche, a comida típica dos peruanos. Aliás, o Peru é do outro lado do rio e não há controle nenhum de ida e vinda de pessoas. Então já viram que por aqui, controle de alguma coisa é inexistente mesmo. Nas noites do final de semana rola uma "festa", que os paulistanos chamariam de "balada". O som fica se repetindo o tempo todo. Vai do reggaeton, ao eletrônico, ao forró bagaceira. E repete. Repete. Repete. As mesmas músicas. O pessoal do barco foi uns dias. Alguns guerreiros foram vários dias. Eu fui mais para ver e me divertir com a turma. Os outros dias preferi descansar. Aos Domingos teve o banho do tampinha. É um igarapé que dá pra tomar banho e tem música ao vivo. Foi bem divertido os dois domingos que ficamos por lá. Integração da galera do barco. Outro dia eu comentei das atalaienses. Depois de ficarmos uns dias aqui, vi que a euforia feminina local foi mais devido ao fenômeno da "carne nova". Uns rapazes do barco arranjaram suas namoradas locais. E depois, já éramos conhecidos da cidade toda. Gente conhecida já não tem mais graça.

E assim se passaram os dias em que ficamos em Atalaia. Vida tranquila de interior da Amazônia.


sábado, 21 de maio de 2011

Rio Itacoai

Após um dia de descanso merecido em Atalaia do Norte, nosso barco seguiu para o rio Itacoai. Agora sim, em terras cada vez mais próximas da tribo de índios isolados. Em terras onde há mais animais silvestres, como a temível onça, por exemplo. Em terras onde a Amazônia é mais misteriosa.

Como das vezes anteriores, da cidade arranjamos alguma pessoa que conhecesse as áreas a serem exploradas. Desta vez o nosso contato era com o Seu Churrasco. Um apelido estranho mesmo! E chegamos, após algumas horas de navegação pelo rio Itacoai, à pequena comunidade ribeirinha de São Rafael.

Aqui as histórias de contato com os Korubos, os índios isolados, são fartas. Contam que um pequeno grupo se separou da sociedade Korubo. A FUNAI só teve contato com 27 desses índios. Estima-se que haja mais de 1500 deles, em uma área entre o rio Quixito e o rio Itacoai. Justo onde pudemos percorrer. Esse grupo dissidente já estabeleceu contato com o pessoal da comunidade São Rafael e da comunidade Ladário, há apenas 5 minutos de bote uma da outra. O contato inicial ocorreu há alguns anos atrás. Esses Korubos eram bem violentos. São conhecidos como índios "caceteiros", pois eles matavam as pessoas com uma cacetada na cabeça. Nessa comunidade São Rafael, os primeiros contatos foram bastante temerosos para a população local. Eles chegavam e queriam as coisas. Se fossem contrariados, eles matavam. E 3 pessoas morreram assim. Tentaram sequestrar uma criança. Pedem sempre farinha e utensílios domésticos. E cachorros também, que os auxilia na caça. Ao longo dos anos, muitas pessoas foram embora dessas comunidades, com medo desse caceteiros. Por outro lado, eles aprenderam a falar português. E agora sabem falar nosso idioma, andam vestidos e até pedem as coisas em troca, retribuindo com cestos, artesanatos. O povo troca, com medo da represália. A líder é uma índia, Maia. Tem 2 maridos. E dizem que seus peitos são muito caídos. Isso é motivo de graça do povo daqui.

Esses índios Korubos dissidentes só aparecem na época de seca. Agora estamos na cheia ainda. Portanto, encontrar com os caceteiros só em sonho mesmo.

Aqui ouvimos mais histórias de onça. Dizem que seu esturro é assustador (o cachorro late; o gato mia; a vaca muje; a onça esturra!). Contaram dos contatos que já tiveram com o animal. Ele só pega a pessoa por trás. É bem traiçoeira. Ataca apenas se sente ameaça ao filhote, se está no cio, ou se está com fome. Portanto, é melhor nem querer encontrar com uma dessas. Claro que muita gente gostaria de encontrar com um bicho desses no meio da floresta. Eu fiquei pensando que seria legal. Mas, ao pensar melhor, ponderei: se eu tenho medo de cachorro grande latindo e bravo, imagina só uma onça faminta esturrando, levantando os pelos das costas e em posição de ataque! Como todos disseram por aqui, mesmo a pessoa mais valente treme diante de uma onça. Os pesquisadores que já encontraram com alguma na floresta contaram que é amedrontador. Contam que o macho esturra para o alto e reverbera por muitos metros um estrondo fortíssimo. A fêmea esturra para o chão, então a terra parece tremer e a pessoa sente o barulhão pelo chão. Deve ser mesmo aterrorizador. Mesmo assim, eu queria ver uma onça na floresta. Bem de longe, é claro. Não ia gostar de me virar e lá está ela, logo ali atrás de mim.

E o mais impressioante foram os relatos dos seres encantados da floresta. O "curupira" é o guardião das matas. Ele afasta aqueles que querem depredá-la ou a desrespeitam. Mas também aparece para uns poucos eleitos e os salva em certas situações. De modo geral, o povo tem mais medo desse ser do que lhe tem estima. E um dos meninos da comunidade teve uma experiência incrível. Ao completar 3 anos de idade, acabou se perdendo na floresta e ficou isolado por 3 dias seguidos. Conta que ficou parado, dormindo ao lado de um tronco caído. Bebeu água de um poço perto de onde estava. Já sua alimentação foi de uma fruta, o geninpapo. E esta fruta lhe foi entregue pelo Curupira, durante os 3 dias em que esteve perdido. O garotinho agora tem 11 anos e o povo diz que ele ficou enfeitiçado pelo Curupira. Quando ele pesca, ele puxa os peixes não apenas pelo anzol na boca, mas por qualquer parte do peixe. E só ele consegue algumas pescarias. Perguntei da aparência do Curupira. Ele conta que não lembra bem, mas que ele pensou que fosse uma tia próxima dele, dando-lhe de comer. Enfim, seu avô o rastreou e o levou de volta para casa.

Os incrédulos dizem que o sobrenatural não existe. Só o que é da natural existe. E o que existe é comprovável pela ciência. Pois essa ciência moderna é muito pobre. O que não pode explicar, não existe. Por isso que eu gosto de vir pra estes lados amazônicos: porque as pessoas vivem ainda em um mundo encantado, pleno de mistérios e encantos. O desconhecido está nas lendas, nos mitos, nessas histórias fantásticas. A imaginação das pessoas vai longe. Não apenas as crianças têm direito de sonhar, mas também os adultos. Portanto, o sobrenatural na verdade faz parte da natureza amazônica. E por isso mesmo a Amazônia é um universo enigmático, que segundo Euclides da Cunha, é a última página do Gênese a ser escrita...

sábado, 14 de maio de 2011

Rio Quixito

Após os dias em Atalaia, chegou a hora de continuar a expedição científica. Há diversas equipes: picada (que abre caminho na floresta), inventário florestal (que classifica as árvores), botânica (classificação mais fina), solos (para avaliação do solo), madeira caída (para verificar as madeiras caídas naturalmente), cipós (pesquisa de alguns tipos de cipó) e georreferenciamento (que transforma pontos de GPS em informações valiosas, mapas, etc.). E a minha equipe: socioambiental (para levantamento das condições sociais, econômicas e ecológicas das comunidades). Além dos cientistas, há os estagiários. E os peões, que auxiliam nos trabalhos na floresta, dirigir os botes, etc. E o pessoal do barco, que cuida da limpeza, direção do barco. E os cozinheiros, pois afinal todos nós temos que nos alimentar!

Saímos da cidade viemos subindo o rio Javari. Entramos no rio Itaquaí. E finalmente, pelo rio Quixito. Aqui é Amazônia pura. Floresta intacta. Povos autônomos. Ao longo deste rio Quixito estão 2 dos povos isolados. Um deles seria o dos Korubos, os índios caceteiros, que se estima haverem entre 1500 e 4000 deles. Logo no início do rio há um posto da Funai, controlando os navegantes. Ao se subir o rio, muitas curvas. Curvas e mais curvas. Um rio estreito. Floresta densa. O medo tomando conta da tripulação. Do lado esquerdo, esse povo isolado de caceteiros. Recomendação para não ir até a margem por nada. E do outro lado, os índios flecheiros. Ou seja: ao invés de tomarmos uma cacetada, levarmos uma flechada. Com nós estavam vindo 3 comunitários que possuíam uma propriedade com plano de manejo. Há alguns anos não iam para lá.

Chegamos ao local. A floresta com seus sons. Muitas aves cantando de manhã. E logo o lado infernal desta região se apresentou: os insetos. Muitos, mas muitos insetos. De dia o ataque do pium, um mosquitinho milimétrico preto, que tem uma picada que abre um buraco na pele e sangra. E coça muito depois. Insuportável. Há também o mucuim, um mosquitinho menor ainda, que passa por qualquer mosquiteiro e também pica que sangra, coça e incomoda. De noite, os pernilongo. Ou como chamam por aqui, carapanã. Fora as mariposas e insetos alados estranhos. Apareceu um que diziam ser mais venenoso do que cobra. Eu só durmo na rede com o mosquiteiro. Mas de dia, com o calor, uso repelente, que parece durar apenas alguns minutos. Estou cheio de picadas de pium e de carapanã.

O pessoal que entrou na floresta diz ter ouvido uma onça pintada. Ela só ataca a pessoa de costas, se estiver sentindo-se ameaçada. Ou se estiver com fome. De frente, a onça não ataca. Por aqui ouvimos vários relatos de onças. Os 3 comunitários são caçadores. Numa das noites, entraram na floresta. Descalços!! É muita coragem para mim. E trouxeram uma paca. Carne boa e macia.

Estes dias, eu não entrei na floresta. Apenas fiquei trabalhando no barco. Tomei banho de rio. Li bastante. Dias de repouso. Pratiquei kriya yoga e os exercícios tibetanos, que agora tenho feito diariamente. Os rapazes pegaram açai na floresta. Fresquinho é uma delícia. E também pescaram. Comer peixe fresco é outra coisa.

Sobre a saúde, boa parte dos tripulantes já teve problema de diarréia, devido à água que utilizamos ser do rio e está cheia de microorganismos nocivos. A água para beber é mineral, mas a que tomamos banho, lavamos os alimentos e escovamos os dentes é essa do rio. Eu cheguei a ter um princípio dessa doença, mas meu organismo resistiu, graças a Deus. Quando ataca, é febre, diarréia, indisposição geral. Um dos rapazes teve que abandonar a expedição, pois não havia remédio que o curasse.

E assim vão se passando os dias. Na convivência com as quase 40 pessoas deste barco. Sem internet. Energia racionada e que funciona só quando o motor está em atividade. Há os altos e baixos. Atritos e risadas. Tudo em nome da ciência.

Voltamos hoje para Atalaia do Norte. Folga após esse tempo todo de expedição. E semana que vem vamos a mais uma semana de floresta. Voltamos no Sábado para Benjamin Constant. E Domingo desceremos para Jutai.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Comunidade Ribeirinha: Palmari

Palmari é uma das poucas comunidades ribeirinhas de Atalaia, cuja população é não indígena. Muita gente por aqui faz questão de diferenciar-se do índio, por acreditar que esses andam pelados, são atrasados e têm costumes estranhos. Muita gente no estado do Amazonas fica profundamente ofendido em se mencionar qualquer característica que lembre a herança genética e cultural indígena. Mesmo que se venha para cá e se veja na fisionomia das pessoas a herança genética (muita gente de pele morena escura, cabelos pretos lisos, olhos pretos e puxados), não gostam de serem chamados de "caboclo". Esse seria o termo que gente de outras parte do país usam para se referir a essa mistura entre os migrantes europeus e os índios. Pois bem, por aqui em geral é uma ofensa.

E não é diferente na comunidade de Palmari. Eles se consideram brasileiros, amazonenses. Caboclo ou índios, nunca.

A característica que diferencia essa comunidade ribeirinha de outras é que há um hotel de selva nele, montado por um estrangeiro. Ele recebe, em sua maioria, turistas colombianos que vêm de Leticia (cidade colombiana). Passam alguns dias por ali, onde são levados a terem experiências na selva: ver jacaré, andar nos igarapés, entrar na floresta, ver os botos nadando, animais silvestres. Mas acontece que o dono está em rivalidade com a comunidade, pois não quer lhes repassar benefícios financeiros recebidos pelo turismo. O líder comunitário entrou até na justiça para haver seu direito. E parece que conseguiu. Além disso, ele mesmo está montando um hotel concorrente. Claro, para gerar lucro para sua família e para os demais comunitários.

Fiquei 2 dias por aqui, conversando com as pessoas. Comendo frutas amazônicas diferentes. Tão diferentes que nem lembro os nomes. Tomando açai tirado na hora da palmeira. Tomando caldeirada de peixe recém pescado. Ouvindo histórias de gente simples, lendas de sereias, seres encantados e animais da floresta. Relaxando no convívio familiar de famílias de interior, que vive na modéstia e na alegria de estar neste ambiente chamado Amazônia.

O detalhe foi que no Sábado, véspera do Domingo dia das mãe, a prefeita de Atalaia, acompanhada de seus assessores e de muitos brindes, veio até a comunidade de Palmari. E eu, o representante do INPA, pois a equipe florestal estava em seu ambiente de trabalho: a floresta. Ap_ós os inúmeros discursos político, chegou a minha vez de discursar, em nome da ciência e do progresso. Falei do projeto de levantamento da dinâmica do carbono da floresta, do REDD (redução de emissão por desmatamento e degradação florestal) e da novíssima moda internacional: a floresta ser mais valiosa financeiramente de pé do que derrubada. Tudo em um linguagem acessível aos comunitários. Fiz a minha parte: os políticos, com seus interesses, já me perguntando quando de dinheiro ganhariam com suas terras preservadas. Os comunitários me dizendo "a gente vive aqui e sabe o que é esta riqueza. Porque pobre mesmo, são eles". É por momentos que me sinto revigorado com o trabalho.

sábado, 7 de maio de 2011

Atalaia do Norte

Cheguei em Atalaia do Norte e, por bem, minha equipe já havia adiantado boa parte do trabalho. Assim que cheguei por aqui, vindo de moto-taxi pela rodovia de 26km de comprimento, percebi que a cidade era bem pequena. Mas bem pequena mesmo. Chega-se da rodovia por uma rua que dá na praça. Da praça, uma rua que desce por 2 quarteirões até uma outra praça na beira do rio Javari, em que há uma estátua enorme de São Sebastião flechado. Teria sido flechado pelos índios? E ali termina a cidade. Claro, há umas ruas perpendiculares que cortam essa rua principal. E apenas 2 restaurantes.

Logo o barco chegou e me juntei ao pessoal da expedição. Vi que haviam muitos índios por ali. Atalaia do Norte é um município com área bem grande, sendo parte dele ocupado por uma Terra Indígena. Para se chegar até essas terras é preciso vários dias de viagem em um bote com motor comum e mais de 1 dia em lancha com motor potente. Nela habitam 5 etnias diferentes: Marubo, Matses, Matis, Kanamarí e Kulina. Podemos ver esses índios na cidade, pois eles vêm atrás do auxílio governamental dado pela FUNAI. Nos dias em que estive por aqui, tive a chance de ver esses índios. Parecem indigentes, por andarem descalços, com roupas velhas e rasgadas, aparentarem serem bem pobres. E de fato o são. Nota-se uma diferença entre eles pelo tipo de adornos e pinturas que usam no rosto. Muitos deles chegam aqui e não voltam para suas terras. Ficam que nem mendigos pela cidade. Aqui pertinho da cidade há também algumas malocas construídas para os turistas visitarem os índios. Visita nas suas comunidades mesmo é proibido aos brasileiros comuns. É contra a lei. Mas, se um gringo se aventura a ir até uma tribo, ele não está infringindo a lei. Ou seja, para os "civis" brasileiros, a regra é bem mais dura que para os estrangeiros.

Há aqui relatos de tribos isoladas. Segundo um indigenista, já não se fala em isolados, mas em "povos autônomos". São os índios Korubo, ou caceteiros, como são conhecidos por aqui. Caceteiros porque matam os invasores com uma cacetada na cabeça. E matam também os filhos defeituosos, gêmeos e qualquer variação que seja contra o "natural". Dizem que são canibais também. Há muitas lendas em relação a eles, bem como muito medo pela população local. Um grupo dissidente da nação Korubo fez contato com os brancos. Foi com uma comunidade que tem apenas 2 casas. E conta-se que esse índios mataram em recente episódio 5 ribeirinhos. O chefe desse grupo é uma índia, que possui 2 maridos. Quando ela foi parir, teve complicações e veio até a cidade. Nessa ocasião, uma parte da população estava revoltada, querendo vingança. E, por esse motivo, o governo federal armou uma operação de guerra, digna de filme norte-americano, para levá-la até o hospital e trazê-la de volta à região de floresta. Helicópteros, lanchas, policiais com rifles, televisão. Tudo conforme o figurino, para que as autoridades internacionais vejam o empenho brasileiro em defender esses povos autônomos. Tudo em nome do show.

Eu fiz minhas comprinhas de artesanato indígena. Seguindo a idéia que tive junto com minha amiga, a mochileira incurável Aline, de comprar coisas de todos os lugares do mundo para adornar minha casa.

Além dessa característica indígena desta cidade, posso dizer que é um município super precário. Distante de tudo. Com pouquíssimos serviços. Falta médico. Falta psicólogo. Falta tudo. Há altos índices de malária na região, diarréia pela água não tratada e hepatite, daquelas que se pega do contato que 2 pessoas têm em sua intimidade. Ou seja, aqui faz jus à fama das guerreiras amazônicas. E fomos isso que vivenciamos por aqui. Mulheres que atacam descaradamente. Sem vergonha nenhuma. Sem pudores. A tripulação da expedição, em sua maioria masculina, logo percebeu isso. E o rendimento do trabalho caiu, pois parte dos rapazes caiu na farra durante as poucas noite que passamos por aqui. As mulheres atalaienses atrapalhando o progresso científico!

Ficamos por aqui apenas alguns dias. O barco aqui na sede municipal. Mas fomos também para uma comunidade ribeirinha não indígena. E eu fui.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Tauaru

Após trabalhar duro aqui na cidade de Benjamin Constant, mais um dever a cumprir. Tudo começou em 2006, quando vim fazer uma pesquisa com o pessoal da UFAM. Visitei algumas comunidades ribeirinhas da zona rural do município de Tabatinga, aqui na fronteira tríplice Brasil - Peru - Colômbia. Foi essa a primeira vez que pisei na Amazônia e me encantei. Logo decidi fazer minha tese de doutorado por aqui. E nesta região distante, pois poucos pesquisadores se aventuram a enfrentar longas distâncias em nome da ciência e bem-estar da população.

Por aqui, eu e mais 2 amigas pesquisadoras escolhemos uma comunidade especial para nossos estudos: Tauaru. As duas fizeram suas dissertações de mestrado. Eu fiz minha tese de doutorado. Vim para cá durante 4 anos. Enfrentei 7 dias de viagem de barco de Manaus até Tabatinga. E mais horas de canoa a motor para chegar na comunidade ribeirinha. O jeito dos ribeirinhos é bem simples. Pessoas vivendo na simplicidade. Um dia após o outro. Todas as vezes que vim para cá, me questionei sobre meus valores. Dar importância ao que de fato tem importância: a vida, a família, a natureza, Deus. O resto, são todos detalhes.

Finalmente, após concluir meu trabalho e defender a tese, voltei para cá. Compromisso social. Ética. Cumprir minha palavra. Vim entregar uma cópia da tese. Reencontrar os amigos tão queridos. Eu já havia me tornado parte das famílias daqui. E tudo acontece como mágica na vida das pessoas. Naquele mesmo dia, eles estavam trabalhando e comentaram a meu respeito. Disseram que estavam com saudade e que eu nunca mais apareci. E não é que meia hora depois eu apareci ali, em carne e osso, na frente deles? Vejam só a força da palavra. E a sintonia entre pessoas com alguma conexão.

Foram apenas 3 dias que pude deixar meu trabalho para visitar a comunidade. Mas foram ótimos dias. Convivência mais do que revigorante. Calor dos amigos. Sentir a força da amizade. O respeito. A vida simples. Gostei bastante. Conversar com todos, contar as novidades, matar a saudade.

Pronto, cumpri com minha palavra e dever de pesquisador. Estou feliz com isso.

Para voltar, uma peregrinação. Saímos às 7h30 numa canoa com motor 9HP, em 8 pessoas. E só chegamos em Tabatinga 14h50. Aquele sol forte na cabeça. Sede e fome. Claro, eu levei meu lanchinho e compartilhei com eles. Depois, uma lancha até Benjamin Constant, de apenas 20 minutos. E mais moto-taxi até Atalaia do Norte, em 30 minutos. Para a segunda parte do trabalho por estas cidades.

domingo, 1 de maio de 2011

Benjamin Constant 2

A cidade das motos. Por todos os lados, motos e mais motos. Muitas motos. Aqui todos usam capacete. Pelo menos alguma coisa positiva. Vão 3, 4 e até 5 pessoas em uma moto. Moto-taxi reina. Baratinho. As pessoas são bem simpáticas e agradáveis. Sempre te recebem com sorriso. O Peru é logo na outra beira do rio. Isso significa: invasão de produtos peruanos e muitos peruanos trabalhando por aqui.

De modo geral, estou gostando da simpática cidade. Clima de interior. Apesar de estarmos longe de tudo e todos, o pessoal aqui vai vivendo. Há tráfico livre. Vigilância praticamente nula. Uma prefeitura que busca fazer seu papel. Muitas comunidades ribeirinhas que parecem um mundo à parte de vida urbana. À parte também é a vida dos índios tikuna e cocama. Ou seja, estamos em um universo de 3 classes de pessoas: as urbanas, as ribeirinhas e os indígenas. Sem contar nisso os peruanos e colombianos.

Nosso trabalho está fluindo. Apesar de não ser o tipo de ofício que mais me instiga. Se para mim, da área social, já não é lá super interessante, imagina só para minha equipe, com pessoas que não são da área. Coitadas! Mas hoje entramos na floresta, acompanhar o pessoal que faz inventário florestal. Foi uma experiência interessante. Caminhar floresta adentro. E ver como é que abrem caminho, catalogam as árvores e plantas, coletam amostras de solo, madeira caída e plantas. Vi como é o ofício desse povo ligados ás ciências ambientais. E no final, as piadinhas, claro. Antes, eles falavam que meu trabalho era só ficar batendo papo, tomar cafezinho com as pessoas, passear pela cidade. Quando chegamos da floresta, foi minha vez: ficar passeando pela mata, pegar folhinha aqui, pintar tronco ali, colocar plaquinha acolá. E com humor vamos lidando com a vida de pesquisador nesta longa expedição.

Saudade mesmo das doses diárias de meditação pela kriya yoga, que não estou podendo praticar por falta de espaço. Minha casa é o barco, que está sempre cheio e em movimento de pessoas. Comida, tudo tranquilo. De almoçar e jantar, acho até que estou ficando mais fortinho. Comendo as frutas regionais, que são poucas mas já quebra um galho. E aqui encontrei um amigo paulistano, que morava em Manaus e passou num concurso da UFAM. O Raul. Engraçado encontrar ele nessas bandas. Saber da percepção de alguém com vivências culturais parecidas com as minhas. Viver aqui é ter muita paciência. Tudo chega de barco e demora dias. Viajar por aqui é mais fácil pela Colômbia do que pelo Brasil. Tem suas vantagens. Saudade do sossego do meu quarto, dos amigos e do contato com a família.

Em breve iremos a Atalaia do Norte, pois aqui já estamos finalizando. Ir um pouco mais distante ainda. E sem fotos, porque aqui não está carregando. Internet precária.