sábado, 25 de junho de 2011

Rio Jutai - Manaus

Chegamos num Sábado em Marauá, a primeira das comunidades do rio Jutai dentro da RESEX. De cara notamos a diferença. Essa comunidade era maior, e mais bonita que as outras do Riozinho. Parecia mais organizada. As pessoas bem simpáticas e receptivas. Senti-me bem de chegar e ser bem recebido.

No Domingo, havia um torneio de futebol na comunidade vizinha, Bordalé. Fomos todos lá prestigiar. Umas pessoas da expedição até jogaram nos times locais. Esse tipo de evento atrai gente de todas as comunidades vizinhas. O povo gosta de jogar futebol. Há times masculinos e femininos. Todos aproveitam para se visitarem, conversarem, dançarem forró. É bem legal ver a comunidade cheia de gente. À noite rolou uma festinha, mas eu não fui pois estava cansado. Ainda bem que não fui, pois um rapaz esfaqueou um outro sujeito, por ciúmes. O pessoal da expedição colocou ele na voadeira (lancha) e o levou para Jutai, que não é tão perto. Todos ficaram chocados. Os que ficaram mais chateados foram os comunitários, pois isso não costuma acontecer. Há anos que não se tinha notícia nem de brigas. E logo com a nossa presença por lá, isso foi acontecer. Todos ficaram bem chateados com isso. Até eu fiquei chateado, sem mesmo ter ido no forró ribeirinho.

Depois subimos o rio Jutai por mais um longo dia de viagem. E no outro dia, mais tempo de viagem até finalmente chegar à penúltima comunidade. E mais uma hora de voadeira para alcançar a derradeira comunidade. Ufa!

Na ordem de subida do rio:
Marauá
Bordalé
São Raimundo do Seringueiro
Novo São João do Acural
São João do Acural
Cazuza
Cariru
Pururé
São Raimundo do Piranha
Novo Apostolado de Jesus
E mais uma família isolada, no Patoá.

Esse trabalho me traz satisfação porque estamos tornando público o modo de vida dessas pessoas. É uma vergonha a maneira como o governo trata a educação. Em um ano inteiro, os professores de uma comunidade deram apenas 1 mês de aulas somados. Em geral só se estuda até a 5ª série. Quando a escola não está em estado mais do que precário, as aulas são dadas na casa de alguma pessoa. Não há água potável. Nem qualquer forma de saneamento básico. Não há energia elétrica, apenas alguns geradores movidos a diesel ou gasolina, que nem todas as noites funciona. Durante a seca, o sofrimento aumenta muito, pois a distância do rio aumenta e haja força para carregar os baldes de água. O sol está cada vez mais escaldante. Boa parte das pessoas não possui documentos. Há um grande descaso governamental.

Para piorar esse esquecimento voluntário do poder público, as histórias mais chocantes são a de expulsão de moradores em comunidades antigas de certas áreas. Há menos de 10 anos atrás foi criada uma Estação Ecológica, que é uma modalidade de Unidade de Conservação que não permite moradores. Numa área onde moravam dezenas de famílias, há anos, o governo simplesmente às expulsou. Sumariamente. Sem dó nem piedade. Os absurdos de um país chamado Brasil.

Durante esses dias acabei pegando carrapato. O "micuim", um carrapatinho tão pequeno que é invisível a olhos nus. Coça muito. Para tirar eles, óleo de andiroba, que eu havia comprado uns dias antes dos ribeirinhos.

Faltando apenas 1 comunidade para eu terminar o trabalho, a notícia para voltar a Manaus. Urgente. Saiu o financiamento de um projeto para eu trabalhar nos próximos 2 anos e meio. Voltei às pressas, sozinho. Foram horas de voadeira até a cidade de Jutai e depois Fonte Boa. Voo à tarde. Despedi-me de todos. Durante a semana o barco chega e vou lá pegar as coisinhas que comprei de lembrança de indígenas e amazonenses.

Valeu muito a pena a viagem. Aos poucos ganhando experiência de campo. Conhecendo a vida no interior amazônico. Tornando-me um pesquisador da Amazônia.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Rio Riozinho 2

Após a passagem pela sede municipal de Jutai, por conta dos casos de malária em algumas pessoas da expedição, retornamos à RESEX do rio Jutai. Faltavam mais algumas comunidades do rio Riozinho para serem pesquisadas.

No entanto, parece que ali começava meu final de semana de azar. Logo no Sábado, enquanto ainda estávamos em Jutai, resolvi aderir ao novo esporte: o pranchão. A voadeira (lancha) vai correndo o rio com uma corda. A pessoa segura a corda e, com uma prancha, vai se divertindo com manobras aquáticas. Quando foi a minha vez, o cano de plástico para segurar estoura. Tive vários ferimentos na mão direita. Foram alguns dias até cicatrizar e eu poder usar minha mão novamente.

Além desse abalo psicológico, assim que subimos o Riozinho novamente, acontece mais uma comigo. Domingo, dia seguinte do acidente com o pranchão. Estamos todos no barco e de repente aparecem dois meninos em suas canoas, brincando de pescaria de arco e flecha. Nestas comunidades, boa parte das pessoas pesca com esses instrumentos. Vou pegar a câmera. Tiro uma foto. Quando vou me ajeitar para uma posição melhor, minha mão direita machucada não segurou a câmera. Ela quica no chão e cai nas águas pretas do segundo andar do barco. No mesmo instante em que vi ela caindo na água, fui tomado por um impulso primitivo de resgatar o objeto. Há alguns dias atrás eu tive medo de saltar na água daquela altura. Demorei para pular. Naquele momento, assim que vi a câmera afundando, saltei de ponta em menos de 1 segundo. Mergulhei fundo, mas as águas escuras não permitiam visão nenhuma. Assim que emergi novamente, o pessoal estava olhando se eu havia logrado resgatar o aparelho eletrônico. Em vão. O pior que não era a minha câmera. Era a da minha colega. Isso que me deixou mais triste. Assim que eu subi no barco, o pessoal já me deu a ideia. Falar pra dona: "você que a notícia boa ou ruim primeiro?". A notícia boa foi que ela ganhou uma câmera novinha. A ruim foi que ela havia ficado sem câmera. Eu deixei a minha emprestado com ela o resto da expedição. E na volta combinei de ressarci-la devidamente. Que azar! Na hora nem pensei nos perigos de saltar no rio. Eu sabia que em rio de água preta não há troncos na água e há poucos peixes. Jacaré só aparece de noite. Como todos brincaram depois, a Iara vai tirar umas fotos nos próximos dias.

Explicando. A Iara é o ser encantado das águas, segundo o povo daqui. É a guardiã das águas. Em algumas comunidades ouvi relatos de gente que já teve o merecimento de vê-la. Alguns contam apenas que ela protege algumas roças. Outros que ela protege as águas dos rios. Outros já falam de visões que tiveram. E assim o universo amazônico vai mostrando seus encantos.

Subimos o Riozinho até a derradeira comunidade. Na ordem da subida, ficou assim:
Monte Tabor
Cristo Defensor
Nova Esperança
São Bento
Bacabal
Novo Cruzeiro
Vila Efraim
Bate Bico
Vila Cristina
Porto Belo
Boa Vista

As águas do Riozinho são negras. À medida que vamos subindo o rio, parece que elas vão ficando mais escuras. As paisagens lá são muito lindas. Uma coisa impressionante. Depois deu ter adquirido uma dívida moral com minha colega, tomei mais cuidado em tirar fotos.

Por fim, foram dias agradáveis esses que passamos no Riozinho. Fizemos amizade com os comunitários e comemos frutas amazônicas, peixe, farinha e açai. Concluída essa etapa, o barco partiu rumo ao rio Jutai, onde haveriam mais várias comunidades rurais a serem visitadas.

sábado, 4 de junho de 2011

Resex do Rio Jutai - Rio Riozinho

Jutai fica onde o rio Jutai desembolca no rio Solimões. As águas pretas que se misturam com as águas barrentas. O espetáculo do encontro das águas. As belas paisagens amazônicas, que máquina fotográfica nenhuma consegue captar. Pelo menos, ainda não consegui tirar uma foto que mostrasse a beleza deste lugar incrível. Aqui o pôr-do-sol é o que me chama mais atenção. No momento em que o dia está para terminar, o sol vai baixando e o céu inteiro fica colorido. Onde o sol está se pondo as cores são mais vivas. E do lado oposto do horizonte o céu também está colorido. Tudo fica colorido. É um espetáculo lindíssimo cada dia que se vai. E cada noite, repleta de estrelas, também é uma obra prima do Absoluto.

E assim vamos desfrutando da magia amazônica. Subimos pelo rio Jutai até o momento em que desemboca o rio Riozinho. Subimos pelo Riozinho até chegar às comunidades da RESEX (Reserva Extrativista) do rio Jutai. Aqui começou a segunda etapa de nosso trabalho. A parte mais legal e interessante, porque finalmente estaríamos conversando com o povo simples das comunidades rurais amazônicas. Os famosos ribeirinhos.

Chegamos em Monte Tabor, com suas 17 casas. Ali, naquelas águas pretas, o povo vive da pesca e agricultura. Vidas simples. Famílias numerosas. Mulheres tendo filhos a partir dos 13 ou 14 anos. E muitos filhos. Vidas sofridas. Mas vidas tranquilas. A maioria quase absoluta não trocaria essa vida pela cidade. No meio urbano é preciso emprego, dinheiro e muito mais. Ali eles vivem do que a natureza lhes dá.

Visitamos as comunidades da margem esquerda do Riozinho: Monte Tabor, Cristo Defensor, São Bento, Nova Esperança, Bacabal, Novo Cruzeiro, Vila Efraim, Bate Bico, Vila Cristina. São comunidades que surgiram a partir do momento em que foi plantada a Santa Cruz. O fundador dessa religião é o irmão José, um mineiro que um belo dia teve algumas visões e saiu pela América do Sul plantando uma cruz, ensinando o povo a ler a Bíblia e a seguir um regulamento. Em minha tese de doutorado eu já havia estudado uma comunidade que segue a Cruzada, como também nomeiam os comunitários. Há até uma igreja que se parece com um castelo em 2 delas.

E a cada casa que entramos para fazer nosso trabalho, uma história de vida. Algumas emocionantes. Outras peculiares. Há aquelas que relatam vidas sofridas. Também ouvimos a respeito dos conhecimentos de plantas e ervas medicinais. Histórias de onça, cobra, jacaré e outros bichos da floresta. E claro, do movimento religioso que fundou essas comunidades, mas que no momento muitas delas já abandonaram a crença, deixando que a Santa Cruz caia no esquecimento. Em apenas 2 delas as regras ainda vigoram. Lá as meninas não puderam circular a não ser de saia e manga comprida!

Minha equipe tem sido trabalhadora. As duas empenhadas no trabalho e ouvindo as histórias desse povo simples. E assim a gente vai aumentando nossa bagagem e conhecimentos a respeito do povo brasileiro. Um país tão grande que muitas vezes parece até um continente. Aqui mesmo estamos na Amazônia do Alto Solimões, que boa parte dos brasileiros só conhecem pela televisão, têm opinião formada, sabem o que fazer com ela, mas que nunca pisaram nestas terras, florestas e rios. Não sabem que aqui há uma diversidade cultural enorme. Que há mais do que apenas índios pelados. Aqui vivem os amazonenses, o povo das águas e da floresta. Gente simples e batalhadora, que sofre com o esquecimento governamental, mas que vem sobrevivendo com o esforço do suor na agricultura, pesca, caça, extrativismo e coleta. O benefício maior mesmo, na minha opinião, é estar mais próximo do ritmo da natureza. Conhecer a força de lua, em suas fases. A força do verão e do inverno amazônico. A força do vento e das águas. A força da terra. A força das frutas, em suas épocas. A força dos animais.

Tivemos que voltar até Jutai porque houve casos de malária diagnosticados na tripulação. Todos fizemos exames e apenas 03 estão doentes. Outros ainda com suspeita da doença. Eu, graças a Deus, melhorei do resfriado que já durava 03 semanas. Nas comunidades pude comer várias frutas amazônicas, especialmente o açai tirado na hora. A comida no barco é o de sempre: arroz, feijão e farinha d'água (feita da mandioca e prato típico do amazonense), acompanhado de carne de vaca ou frango. Às vezes há peixe para todos, recém pescados no rio. Almoço e janta sempre iguais. Estou tomando multi-vitamínico. E meu café da manhã diferenciado, devido a eu ser celíaco: apenas coisas de milho, mandioca e nada de açúcar. E assim venho vivendo esta vida de pesquisador na Amazônia.

Em breve subiremos novamente o rio Jutai e Riozinho para concluir as comunidades. Depois, vamos ao Rio Jutai, onde há outras comunidades. E final do mês acaba o trabalho. Ainda muito rio a percorrer.